Haberath

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“Ninguém sabe o que é, mas é tão temida que mal se ouve sua pronuncia por essas terras”. Essa frase enigmática foi-me dita por um homem que, encostado numa cadeira ao pé de sua porta, me disse quando lhe perguntei sobre Haberath e sim eu já esperava tal resposta.

Haberath, não consigo esquecer esse vocábulo. Seus fonemas ecoam em minha mente e suas letras parecem cravadas em meu cérebro. O que seria Haberath?

Lembro-me, como ontem, quando escutei pela primeira vez essa palavra, proferida pela boca de um jovem aluno meu, que, com seu olhar de dúvida, me encarava em busca de alguma solução para aquele dilema.

— Mas onde você ouviu essa palavra? — Perguntei-lhe

— Ela foi-me dita quando criança por um colega de turma. Disse-me que seus pais gritaram essa palavra em meio a uma briga e que ele a achava legal. Mas, sabe, professor, essa maldita palavra nunca me saiu da cabeça e a sua lembrança é tão vivida, que ainda vejo, com todos os detalhes, o rosto daquela criança de 12 anos me falando encantada aquela palavra.

— Bem, eu nunca havia ouvido tal palavra e nem sei de qual dialeto ela pode ter vindo.

— Mas o mais interessante está por vir. Após as aulas, fomos, como sempre, juntos para casa e na rua proferi a tal palavra e, pode parecer absurdo, um homem na rua me deu uma bofetada. Fiquei ali estagnado enquanto o homem me dizia, “não repita tal palavra”.

— Na certa deve ser algo de baixo calão, mas se bem que a atitude desse homem é, no mínimo, curiosa.

— Quando cheguei em casa fui contar à minha mãe, esperando que ela fizesse algo contra o tal homem, mas antes que pudesse descrever suas feições, ela puxou um cinto da cômoda e me bateu por tanto tempo, que quase cheguei ao desmaio.

— Nossa, meu jovem, isso é deveras curioso mesmo!

— Nunca descobri o que é a tal palavra, mas ela nunca saiu da minha cabeça.

E foi assim, ouvindo a obsessão de um aluno, que aquilo virou minha obsessão.

Folhei livros e livros, pesquisei em sites de todas as línguas, mas nada, nem sequer uma pista sobre o que seria Haberath.

Fui aos meus colegas, mas nem mesmo o doutor em filologia, dono da cadeira da disciplina em uma das mais respeitadas universidades do mundo, sabia me dizer o que era Haberath.

A cada decepção parecia que eu ficava mais obcecado e parecia que aquela palavra criava raízes mais profundas em minha mente.

Passaram-se dias, semanas, meses, anos, e eu não conseguia esquecer. Gastava mais tempo em buscas insanas que com minha família. Onde quer que houvesse algo que de longe me lembrasse da palavra, eu ia atrás, até o dia, em meio a uma conversa qualquer com um jovem professor de literatura, que, meio que sem querer, proferi a palavra, ele se afastou assustado.

— Onde ouviu isso? — disse-me em todo seu espanto

— Um aluno a uns 3 anos me disse. Falou que ouviu quando criança e que nunca esqueceu, e veio a mim perguntar se eu saberia dizer do que se tratava e, lógico, eu não sabia. Mas, o mais estranho é que a palavra virou-me uma obsessão, assim como ao garoto. Já procurei em todo canto, mas não consigo descobrir nada.

— E nem irá... — disse-me. — Mas escute, antes de tudo, onde esse garoto morava?

— York, mas já fui lá e ninguém sabe do que se trata.

— York, como chegou longe essa palavra...

— Do que falas meu caro?

— Eu nasci no interior da escócia, uma cidade pequena. Lá, quando pequeno e mais algumas vezes, bem poucas, ouvi essa palavra. Era algo muito temido, todos se arrepiavam quando ouviam e poucos, quase ninguém, ousava mencioná-la.

— Então você sabe o que é Haberath?

— Não...

— Mas, como assim?

— Ninguém sabe o que é Haberath...

— Mas, como não?

— Não sei lhe dizer. A qualquer um que pergunte, ou ele vai lhe ser cortes e lhe dizer que ninguém sabe o que é, ou irá lhe chamar de todos os nomes sujos que um homem pode proferir.

— Tudo bem, entendi, mas me diga onde fica esse vilarejo, quero ir lá.

E ele me disse. Falava baixo e me advertia que não deveria procurar nada, pois aquilo não devia ser algo que se queira descobrir, mas eu não estava ouvindo suas ameaças, apenas ouvia-o relatar sobre aquele pedaço de chão no meio do nada.

Parti no mesmo dia, fazendo minha mala as pressas e resgatando todo o dinheiro que tinha em busca de Haberath, fosse o que fosse...

Antes de encontrar o senhor na porta, fui xingado e posto pra fora de diversos lugares, empecilhos que estava preparado para enfrentar, afinal, apesar de não ter prestado atenção nas advertências do jovem professor, consegui pegar alguma parte de seu discurso sobre a forma nada hospitaleira de como são tratados os que proferem essa palavra.

Mas, logo, encontrei aquele senhor, no pé de sua porta balançando com sua cadeira.

Era um homem já de idade, com cabelos brancos e confiando em sua idade decidi lhe perguntar (e claro ele não me tinha feições de quem iria me xingar).

— Mas, meu senhor, eu preciso saber o que é!

— Sei que precisa você não é o primeiro a vir por causa dessa palavra. Sabe, nós dos povoados dessa região parecemos sermos, de certa forma, imunes a ela, nos causa um pequeno incomodo ouvi-la só isso. Mas, parece que o pessoal de fora fica meio impressionado com ela de alguma forma.

— Como assim?

— Ficam, como eu posso dizer, obcecados.

Então eu não era o primeiro obcecado por descobri o que era Haberath. A cada momento, durante minha nova empreitada, Haberath parecia ganhar uma certa força mágica e parecia que a muito tempo não me sentia tão bem e tão vivo. Iria descobri o que era Haberath custasse o que custasse! Além do que estava mais perto do que nunca.

— Mas o senhor não sabe nada a respeito?

— Bem, olha, vou lhe dizer algo que nunca disse a ninguém, sabe não sei porque, você me pareceu um bom homem e talvez esteja na hora de alguém descobrir do que se trata Haberath.

— Me diga e será muito bem recompensado

— Não amigo, não tem essa necessidade. Olha a única coisa que já ouvi sobre Haberath foi dita por meu pai depois de eu insistir muito. Sabe, eu era uma criança bem teimosa e muito curiosa e, não que eu fosse obcecado, mas sabe, curiosidade infantil. Meu pai então me disse que seu avô disse-lhe que alguém havia escrito Haberath...

— Sim e o que mais?

— Meu rapaz desculpe, mas é somente o que sei

Minha vontade foi de matar aquele desgraçado, mas me contive, inclusive o que pensava em lhe dizer.

— Espero que ajude! Disse o homem, tão animado que quase voltei atrás na idéia de lhe amassar a cabeça com uma pedra.

— Tudo bem, sendo assim obrigado

— Não seja por isso amigo!

Sai de lá antes de perder a paciência e caminhei a passos largos tentando meu acalmar. Era tudo que eu tinha e precisava analisar melhor aquelas palavras.

Alguém havia escrito Haberath... Claro! Um livro! Só podia ser um livro!

Corri pela cidade, feito louco procurando algo que me levasse a livros, mas nada encontrei.

Fiquei parado por uns instantes sem saber o que fazer. Não podia voltar, pois já tinha buscado em todas as bibliotecas do mundo algo que mencionasse nem que numa nota de rodapé algo sobre Haberath, mas nada havia encontrado. Não ele tinha que estar por aqui! Tem que haver um motivo para essas pessoas ficarem tão abaladas com essa palavra, tem que haver algo que me escondem!

Corri de volta ao homem, mas ele não estava lá, apenas sua cadeira.

Recuei por uns instantes, mas não podia sair de lá assim.

Corri até sua porta e forcei a abertura, que demorou a ceder, mas com um pouco mais de força e tempo acabou cedendo.

A casa era simples, nada demais e era tão pequena que se podia vasculhar com facilidade.

Busquei em todos os cantos algo, mas não encontrava nada. A cada móvel revirado, a cada falta de pistas eu ficava mais irritado, até perder o controle de vez e começar a quebrar tudo.

Gritava e proferia aquela palavra tão alto que estranhei, quando me recobrei, ninguém ter vindo até aqui, afinal apesar de meio afastada, a casa do velho homem parecia ter vizinhos.

Sentei no meio da sala e fiquei ali por um tempo

— Vocês não desistem mesmo né?

Olhei para cima, desviando um pouco a cabeça do chão e vi o velho homem parado, me encarando.

— Desculpe, olha eu vou pagar não se preocupe.

— Bem espero que sim, pois você fez um baita estrago! É impressão minha ou o homem estava de bom humor?

Parei e fixei os olhos naquele homem. Seu rosto esboçava um estranho sorriso, algo muito confuso, pois não parecia a cara de alguém que teve a casa destruída.

— Levante-se, venha ver Haberath.

Será que eu estava louco? Aquele homem me convidou a ver Haberath. Não devo ter perdido a sanidade.

— Mas, desculpe, eu...

— Não quer ver não amigo?

— Mas o senhor, a cidade, ninguém sabe o que é!

— E ninguém sabe mesmo, nem eu

— Que droga você está falando?

— Vem, se acalma, levanta e me segue.

Mesmo sem entender bem o que acontecia levantei-me e o segui. Cruzamos sua porta. Andamos por um longo tempo, tão longo que pensei que iria desmaiar a qualquer momento, mas quando pensei em desistir o homem parou e me apontou uma casa ao longe.

— Vá lá e veja você mesmo.

Com o pouco de forças que ainda tinha caminhei até a casa.

Não sabia o que pensar, nem mesmo conseguia refletir sobre o que estava acontecendo e pareceu que tudo piorou quando cheguei de frente à porta.

De longe não parecia, mas era tão alta, que tinha que esforçar para ver seu fim. A empurrei e minha força pareceu desnecessária quando aquela porta se abriu.

Entrei sem qualquer cautela e me deparei com um cômodo vazio, sem portas ou qualquer ventilação.

Comecei a tatear aquelas paredes tentando entender o que era aquilo, mas não entendia nada.

Aos poucos fui perdendo a forças e logo tudo se apagou. Eu havia desmaiado.

Acordei após um tempo. Vi-me em uma casa simples, sem qualquer luxo.

— Oi amor! Disse minha esposa com certo entusiasmo ao me ver.

— Oi querida, acordou cedo?

— Sim e fiz o café da manhã, venha as crianças estão esperando.

Levantei-me e tudo pareceu normal, como se estivesse preocupado com alguma coisa antes, mas que não conseguia me lembrar, mas, enfim não devia ser nada demais. Tenho uma boa casa, moro num povoado pacato e limpo da boa e velha Escócia, tenho mulher e filhos com saúde, trabalho na minha própria horta, enfim o que mais pode querer um homem?

— E então crianças como vão?

— Pai?

— Fale filho!

— O que é Haberath?

— Não repita mais isso moleque! Disse-lhe dando a bofetada que merecia

Essa palavra horrível! Porque as pessoas ainda a repetem? Só de pensar nela tenho um arrepio na espinha...

 

 Linx

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