'LA BÊTE' , é Encenada em Paris

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Artista promete remontar a obra aqui e diz que, agora, ela 'tem a consciência de um ato politico' , performance que causou polêmica no Brasil.

Wagner Schwartz é um sobrevivente do linchamento virtual, "uma definição atualizada de tortura", como ele mesmo explica, para facilitar a compreensão da dolorida experiência. No último fim de semana, o Palais de Tokyo, celebrado espaço de manifestações de arte contemporânea da capital francesa, foi palco de um importante capítulo da história de sua sobrevivência artística e pessoal.

Um dos convidados do festival internacional "Do disturb" ("Perturbe", numa tradução direta), Schwartz apresentou nos três dias do evento sua performance "La bête". Paris acolheu a primeira apresentação da obra desde a incendiária polêmica surgida no Brasil, em 2017.

A performance começa com o artista, nu, manipulando uma réplica de plástico de uma escultura da série "Bichos", da brasileira Lygia Clark (1920-1988). Na sequência, o público é livre para participar, moldando as mais diferentes formas com o próprio corpo do artista.

Para quem não lembra, a cena isolada de uma criança, acompanhada da mãe, tocando o pé de Schwartz durante a performance realizada na abertura do 35º Panorama de Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, em 26 de setembro, foi registrada e jogada no caldeirão da internet, deflagrando uma onda de agressões, ofensas, protestos e href="https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/stf-veta-conducao-coercitiva-de-artista-que-se-apresentou-nu-no-mam-sp-22074337">inflamados debates dentro e fora das redes sociais.

Schwartz foi acusado de ser pedófilo e teve, inclusive, de prestar depoimento na 4ª Delegacia de Polícia de Repressão à Pedofilia. Por tudo o que passou, o artista confessa que "lidava com o medo e o desejo" de reestrear "La bête", o que fez do primeiro dia da performance no festival parisiense um momento singular:

— Saí de casa chorando para a apresentação. Conversei com amigos no Brasil e todos me desejavam o melhor. Sabia que esses votos não eram direcionados apenas à execução da performance, mas vibravam, igualmente, no íntimo. No metrô, conexões simbólicas aconteceram quando ouvi algumas meninas brasileiras cantando um samba de amor. O céu estava bonito. Entrei no Palais de Tokyo com a certeza que estava bem acompanhado.

'BICHO HUMANIZADO'

O museu estava repleto, bem como a sala 37, reservada para performance. Aos poucos, o público deixou seu lugar para brincar com o "Bicho" humanizado.

— Havia engajamento, humor, doçura e risco — diz Schwartz. — Havia uma sensação de conexão entre a obra e o público. Ao fim, senti que o medo que havia incorporado não mais existia, assegurando o lugar da arte como aquela que pode transformar tensões assoladoras em ação. Se "La bête" uma vez existiu para proporcionar ao público uma experiência artística, agora, a performance tem a consistência de um ato político.

O artista revela que nunca perdeu a vontade de reapresentar a obra, mas admite que, hoje, seu desejo de fazê-lo é ainda maior. Os ataques que recebe são menos frequentes, "mas ainda chegam", conta.

— Ainda não consigo apresentar "La bête" no Brasil. Isso me entristece profundamente. Não existe um impedimento jurídico para mostrar a performance. E, ao mesmo tempo, existem convites. O que me impede são as várias ameaças de morte que recebi. Não consigo, neste momento, desconsiderar cada uma delas. Mas a possibilidade de apresentar está em andamento. Não se cristalizou nos ataques. Minha produtora, Gabi Gonçalves, e eu estamos estudando quando e como realizar a reaparição desta performance. Ela vai acontecer — garante.

Para Schwartz, o que ficou desta experiência, num sentido mais amplo, foi "a sólida reação criada entre os artistas e aqueles que apreciam arte":

— Todos se juntaram para solucionar o curto-circuito causado pela manipulação medíocre de imagens descontextualizadas. Este cenário é muito preocupante porque existem pessoas prontas a atacar o que não compreendem, dizendo-se especialistas. Estas pessoas não acreditam nos fatos. Elas precisam criar verdades para acreditar nas próprias verdades. E, não bastando acreditar, convocam seus cúmplices. No final, o que é importante não são os fatos, mas o que elas criam como verdade.

'SUJARAM O QUE É LIMPO'

Vittoria Matarrese, criadora do festival "Do disturb", assistiu à obra no primeiro dia de apresentação e também participou, manipulando o corpo do artista:

— Coloquei esta performance no festival porque a considero muito bela. Não foi para dar uma resposta à polêmica, nem para criar uma outra. É uma linda performance que fala de escultura, de corpo, do que é a matéria criativa, e este projeto tinha todo sentido para "Do disturb".

Foi a brasileira Sandra Hegedüs, residente em Paris, colecionadora de arte e fundadora do SAM Art Projects, que falou de "La bête" para a curadora.

— Aqui em Paris, a obra do Wagner retornou para o lugar onde deveria ter ficado. Arrastaram a proposta dele para um lugar imundo e indecente no Brasil. Fiquei muito triste e indignada com o que aconteceu lá. A nudez não é mais uma questão.

A atriz portuguesa Maria de Medeiros também esteve no Palais de Tokyo para assistir à apresentação, e partilha o mesmo sentimento:

— Levaram esta obra para um terreno que não lhe corresponde em absoluto. Sujaram o que é limpo. Achei lindíssima a performance. Ele é magnífico, uma estátua de carne, as posições são belíssimas, e manipular, brincar com o corpo humano, restitui toda a pureza do gesto.

CRIANÇA NA PLATEIA

Numa das apresentações, havia uma criança na plateia, acompanhada dos pais. A menina assistia e, por vezes, imitava no chão a coreografia formada pelo corpo do artista nas manipulações. Em Paris, o público recebia, ao entrar na sala da performance, uma cópia da entrevista de Schwartz concedida à jornalista Eliane Brum, do "El País", na qual se exprime sobre a polêmica.

Entre os espectadores, a francesa Anne Mazon, 40 anos, apreciou a iniciativa:

— Gostei de ter recebido a entrevista, dá uma dimensão suplementar à obra. Vemos o contraste entre a violência que ocorreu e a performance, que é extremamente poética, suave, nada sexualizada. Com este texto, é quase uma performance na performance.

Frédéric, 38 anos, disse não entender a turbulência em torno da obra:

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— Após ter visto, estou chocado com o que ocorreu no Brasil. O artista é passivo, nada faz, são as pessoas que vêm tocar e mexer nele. É ridícula esta polêmica. Mas as pessoas acabam destruindo tudo na internet.

Após as apresentações parisienses de "La bête", Wagner Schwartz se reapropriou da própria obra, numa trajetória confessadamente difícil:

— Não foi um processo simples entender que criaram um outro Wagner, artista, pessoa, e atacaram essa figura midiaticamente. Mesmo sabendo que esse personagem, acusado de portar um dos piores transtornos, não existe, foi meu rosto que deram a ele, como também, ao meu trabalho. É deprimente tornar-se símbolo de um processo político desonesto que visa eleger seus candidatos a partir da caricaturarização bárbara de um artista. Mas o medo reafirmou a importância de passar ao ato, de continuar sensibilizando as pessoas, de criar projetos que possam acontecer num teatro, galeria, museu, e que continuem, também, existindo nas conversas, fora dos espaços de arte.

 

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