Documentário Sobre a Contracultura de Raul Seixas
Entra em cartaz documentário sobre Raul Seixas
Em entrevista à CULT, o diretor Walter Carvalho fala sobre o filme e aborda a fusão de ritmos na obra do cantor
Pai da contracultura brasileira, Raul Seixas, nascido em Salvador em 1945.
Sua morte, em 1989, deixou um grande legado de músicas que são relembradas ainda hoje ao redor de todo o Brasil pela aclamação “Toca Raul” e uma legião de fãs de várias gerações.
Vida, música e morte de Raul são agora tema do documentário Raul – O Início, o Fim e o Meio. Dirigido por Walter Carvalho (de Cazuza – O Tempo Não Para, em codireção com Sandra Werneck, e Budapeste, baseado em livro de Chico Buarque), tem estreia prevista para 23 de março.
O filme traz depoimentos de familiares, amigos, mulheres e parceiros, além de contar com uma grande quantidade de imagens inéditas de arquivo.
Leia a seguir a entrevista exclusiva concedida por Walter Carvalho à revista CULT.
CULT – Qual é o diferencial de Raul Seixas no contexto da contracultura?
Walter Carvalho – Ele começou imitando Elvis Presley, do ponto de vista da intuição, não sei se tinha consciência disso. Mas estava sendo antropofágico, na medida em que pegava Elvis e misturava com Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Esse cruzamento entre Jackson, Gonzaga e rock’n’roll cria uma antecipação: “Let Me Sing” é praticamente um baião.
Qual era a relação de Raul com o cinema?
Ele desenhava em cadernos histórias que eram verdadeiros storyboards. E lá escrevia: “Raul Seixas apresenta!”, “Raul Seixas produtor, diretor…”. Dizia também que seu sonho era fazer um filme em Hollywood, o que infelizmente não aconteceu, porque teria sido maravilhoso.
Acredito que esse aspecto viesse da admiração que tinha por Elvis Presley. Assistiu a Balada Sangrenta [Michael Curtiz, 1958, estrelado por Elvis] mais de 20 vezes: ele entrava no cinema e via o filme seguidamente, em todas as sessões. Além disso, tinha uns cadernos em que anotava os filmes a que assistia em Salvador, dando opiniões e impressões.
Raul afirma que foi para o Rio de Janeiro para lançar um tratado de filosofia metafísica. Você tem alguma informação sobre esse tratado?
Fui atrás disso, mas nunca vi, nunca encontrei. Tenho a impressão de que era mais uma lorota do Raul, uma provocação. Ninguém sabe se fez.
O que tem de filosofia metafísica na obra dele?
Vou te responder essa pergunta da seguinte forma: o filme passou na Mostra [Internacional] de São Paulo, em uma única sessão, e não estava concorrendo a nada. Quando terminou, um fã de Raul, um artista plástico popular da periferia de São Paulo, veio falar comigo e disse: “Gostei muito do seu filme, ele mexeu com a minha metafísica”. Achei essa frase sensacional.
Raul tinha era um discurso popular sofisticado, que se comunicava com o público. Tinha um viés acentuadamente popular, mas ao mesmo tempo era sofisticado na forma de dizer o que dizia, nos arranjos, no modo de cantar. Se há alguma metafísica nele, é por esse caminho.
Paulo Coelho foi o primeiro grande parceiro. Houve pontos negativos nessa parceria?
Como o próprio Paulo fala no filme, a parceria é como um casamento: na medida em que se consolida, sofre um fenômeno de entropia e se atrofia. Os conflitos começaram a vir à tona e deram na separação. Acredito que houve um desgaste entre eles, uma guerra de vaidades, de egos, uma saturação ao ponto de se separarem e ficarem anos sem se reencontrar.
Qual a razão para a decadência de sua carreira?
A boemia! A coisa que mais me impressionou desde que iniciei o projeto até quando terminei o filme foi o curto período de sua trajetória.
Entre 1972, quando surge, deixando de ser Raulzito da Bahia e passando a ser Raul Seixas no Rio de Janeiro, até morrer, em 1989, são aproximadamente 17 anos, do ponto de vista da ascensão e queda.
Nos últimos quatro anos não fez praticamente nada, ficou isolado, sem produzir, dedicou-se completamente ao vício etílico, à boemia, a ponto de não ter mais volta.
O último gesto dele foi quando Marcelo Nova o chamou para fazer uma participação em seu show. Acabou fazendo 50 shows, entre setembro e outubro de 1988, quando se encontra com Marcelo, e agosto de 1989. Morreu no primeiro final de semana em que não fez show.
Como você avalia a parceria com Marcelo Nova?
Marcelo era um admirador de Raul, o imitava quando mais novo, e os dois se conheceram quando convidados para um show no Circo Voador.
Acho que se tratava de um misto de admiração, carinho e, sem dúvida, uma atitude de quem queria dar uma oportunidade para que Raul saísse do buraco. Achou que aquilo estava movendo Raul, trazendo-o para o trabalho, mas diante de uma imagem de um Raul depauperado.
Então, o que nunca se poderá saber é se a atitude de Marcelo prolongou ou abreviou a vida de Raul. Concordo com Caetano, quando disse que não via um aproveitamento [de Raul] por parte de Marcelo Nova.
Por que Raul continua sendo lembrado e ouvido?
Acho que isso tem uma relação direta com o que fez na música. Ao mesmo tempo em que foi um grande comunicador, quem veio depois e continuou gravando [suas músicas], fazendo show, ouvindo a plateia sempre dizer o famoso “Toca Raul” contribuiu muito para que estivesse sempre presente.
Raul permaneceu porque sua obra foi maior que ele – a junção de letras inteligentes com apelo popular sofisticado e de alto nível.
Em entrevista à CULT, o diretor Walter Carvalho fala sobre o filme e aborda a fusão de ritmos na obra do cantor
Pai da contracultura brasileira, Raul Seixas, nascido em Salvador em 1945.
Sua morte, em 1989, deixou um grande legado de músicas que são relembradas ainda hoje ao redor de todo o Brasil pela aclamação “Toca Raul” e uma legião de fãs de várias gerações.
Vida, música e morte de Raul são agora tema do documentário Raul – O Início, o Fim e o Meio. Dirigido por Walter Carvalho (de Cazuza – O Tempo Não Para, em codireção com Sandra Werneck, e Budapeste, baseado em livro de Chico Buarque), tem estreia prevista para 23 de março.
O filme traz depoimentos de familiares, amigos, mulheres e parceiros, além de contar com uma grande quantidade de imagens inéditas de arquivo.
Leia a seguir a entrevista exclusiva concedida por Walter Carvalho à revista CULT.
CULT – Qual é o diferencial de Raul Seixas no contexto da contracultura?
Walter Carvalho – Ele começou imitando Elvis Presley, do ponto de vista da intuição, não sei se tinha consciência disso. Mas estava sendo antropofágico, na medida em que pegava Elvis e misturava com Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Esse cruzamento entre Jackson, Gonzaga e rock’n’roll cria uma antecipação: “Let Me Sing” é praticamente um baião.
Qual era a relação de Raul com o cinema?
Ele desenhava em cadernos histórias que eram verdadeiros storyboards. E lá escrevia: “Raul Seixas apresenta!”, “Raul Seixas produtor, diretor…”. Dizia também que seu sonho era fazer um filme em Hollywood, o que infelizmente não aconteceu, porque teria sido maravilhoso.
Acredito que esse aspecto viesse da admiração que tinha por Elvis Presley. Assistiu a Balada Sangrenta [Michael Curtiz, 1958, estrelado por Elvis] mais de 20 vezes: ele entrava no cinema e via o filme seguidamente, em todas as sessões. Além disso, tinha uns cadernos em que anotava os filmes a que assistia em Salvador, dando opiniões e impressões.
Raul afirma que foi para o Rio de Janeiro para lançar um tratado de filosofia metafísica. Você tem alguma informação sobre esse tratado?
Fui atrás disso, mas nunca vi, nunca encontrei. Tenho a impressão de que era mais uma lorota do Raul, uma provocação. Ninguém sabe se fez.
O que tem de filosofia metafísica na obra dele?
Vou te responder essa pergunta da seguinte forma: o filme passou na Mostra [Internacional] de São Paulo, em uma única sessão, e não estava concorrendo a nada. Quando terminou, um fã de Raul, um artista plástico popular da periferia de São Paulo, veio falar comigo e disse: “Gostei muito do seu filme, ele mexeu com a minha metafísica”. Achei essa frase sensacional.
Raul tinha era um discurso popular sofisticado, que se comunicava com o público. Tinha um viés acentuadamente popular, mas ao mesmo tempo era sofisticado na forma de dizer o que dizia, nos arranjos, no modo de cantar. Se há alguma metafísica nele, é por esse caminho.
Paulo Coelho foi o primeiro grande parceiro. Houve pontos negativos nessa parceria?
Como o próprio Paulo fala no filme, a parceria é como um casamento: na medida em que se consolida, sofre um fenômeno de entropia e se atrofia. Os conflitos começaram a vir à tona e deram na separação. Acredito que houve um desgaste entre eles, uma guerra de vaidades, de egos, uma saturação ao ponto de se separarem e ficarem anos sem se reencontrar.
Qual a razão para a decadência de sua carreira?
A boemia! A coisa que mais me impressionou desde que iniciei o projeto até quando terminei o filme foi o curto período de sua trajetória.
Entre 1972, quando surge, deixando de ser Raulzito da Bahia e passando a ser Raul Seixas no Rio de Janeiro, até morrer, em 1989, são aproximadamente 17 anos, do ponto de vista da ascensão e queda.
Nos últimos quatro anos não fez praticamente nada, ficou isolado, sem produzir, dedicou-se completamente ao vício etílico, à boemia, a ponto de não ter mais volta.
O último gesto dele foi quando Marcelo Nova o chamou para fazer uma participação em seu show. Acabou fazendo 50 shows, entre setembro e outubro de 1988, quando se encontra com Marcelo, e agosto de 1989. Morreu no primeiro final de semana em que não fez show.
Como você avalia a parceria com Marcelo Nova?
Marcelo era um admirador de Raul, o imitava quando mais novo, e os dois se conheceram quando convidados para um show no Circo Voador.
Acho que se tratava de um misto de admiração, carinho e, sem dúvida, uma atitude de quem queria dar uma oportunidade para que Raul saísse do buraco. Achou que aquilo estava movendo Raul, trazendo-o para o trabalho, mas diante de uma imagem de um Raul depauperado.
Então, o que nunca se poderá saber é se a atitude de Marcelo prolongou ou abreviou a vida de Raul. Concordo com Caetano, quando disse que não via um aproveitamento [de Raul] por parte de Marcelo Nova.
Por que Raul continua sendo lembrado e ouvido?
Acho que isso tem uma relação direta com o que fez na música. Ao mesmo tempo em que foi um grande comunicador, quem veio depois e continuou gravando [suas músicas], fazendo show, ouvindo a plateia sempre dizer o famoso “Toca Raul” contribuiu muito para que estivesse sempre presente.
Raul permaneceu porque sua obra foi maior que ele – a junção de letras inteligentes com apelo popular sofisticado e de alto nível.
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