Como a Série ‘13 Reasons Why’ está Confrontando Tabus e Rompendo Silêncios

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Mesmo já tendo passado muito tempo da minha adolescência, não posso dizer que sou a pessoa mais autoconfiante do universo ou que sou super bem resolvida do jeito que achei que seria quando adulta, mas até que tudo vai indo bem. No entanto, lá atrás, tive uma adolescência com inúmeras crises existenciais. Com meus pais, com meus amigos, com minha aparência, com o que achavam e falavam de mim, com a forma com que as vezes eu me sentia um lixo, com meu papel no mundo…

Naquela época eu imaginava estar diante de problemas tão decisivos e insolúveis que, se não pensei em tomar medidas drásticas como fez Hannah Baker, personagem da tão comentada série ‘13 Reasons Why’ da Netflix, foi porque de algum jeito, consegui encontrar outro caminho.

Para quem não sabe do que se trata, ‘13 Reasons Why’ conta o desenrolar de histórias que envolvem a vida de Hannah Baker, de 17 anos. Antes de pôr fim à própria vida, ela grava uma série de fitas cassete narrando os 13 motivos que a levaram a tomar a decisão. Ela cita cada uma das pessoas que cometeram abusos físicos, psicológicos e sexuais contra ela. Todos ouvem as fitas, inclusive Clay Jensen, um tímido e apaixonado amigo que jamais teve coragem de expressar seus sentimentos por ela.

A série vem repercutindo bastante, pois muitas pessoas inevitavelmente se reconheceram nos personagens – e isso não é difícil. Há quem se veja em Hannah, com problemas que parecem não ter fim. Há quem tenha se enxergado no papel de um de seus algozes e, quem sabe, tido consciência do quanto isso é cruel. Quem tenha se identificado com um daqueles que simplesmente não faz nada mesmo sabendo que alguém está sofrendo. E ainda, pode haver quem tenha se visto naqueles que não fazem a menor ideia do que acontece a sua volta (os adultos em geral).

Mas existe mais uma modalidade de expectador para esta série, e é o tipo que considero o pior: aquele que achou tudo um grande mimimi. Essa pessoa simplesmente não consegue se colocar no lugar do outro nem por um instante e isso me dá um certo medo. Eis algumas das coisas que li na minha própria timeline, escritas por pessoas relativamente próximas:

  • ‘Quão superficial é uma garota que se mata por causa daquelas coisas? Todo mundo enfrenta problemas na vida’.
  • ‘Linda, branca, rica, mimada… e se mata pq nem tudo é como ela quer que seja. A vida é difícil, querida!’.
  • ‘Ela só precisava de terapia. Que exagero’.
  • ‘Que garota babaca, hein? Uma chata a menos no mundo. Affe’.

Bem, eu do alto de meus quase 40 anos até poderia olhar os problemas da Tuka de 15, 18, 22 anos e pensar: ‘Nossa, quanta besteira!’. Mas jamais faria isso, afinal o quão injusto seria uma mulher julgar uma garota? Outra coisa: O que nos dá o direito de menosprezar a dor de outra pessoa? Por mais que para alguém algo não pareça ser tão sério, isso não significa que para outra pessoa a mesma coisa não possa ser o suficiente para entristecê-la, para machucá-la. Então repita a frase: Nunca subestime a dor alheia.

Mas voltemos à série. A trama tem servido como um verdadeiro alerta, pois, infelizmente muitos pais só têm consciência de que seus filhos estão passando por problemas quando já é tarde demais como a personagem vivida por Kate Walsh, a mãe de Hannah. Todas as vezes que ela surge em cena, devastada pela perda trágica da filha, ela parece tentar encaixar peças de um grande quebra-cabeças imaginário. ‘Por que ela fez aquilo?’, ‘O que aconteceu?’, ‘Ela parecia tão feliz’, Ela não deixou nem um bilhete’. Então, em uma tentativa desesperada por respostas, ela e o marido decidem processar a escola, instituição que, segundo eles, deveria estar ciente do bullying que sua filha vinha sofrendo. Mais do que ela e seu marido.

Pois tristeza, desespero e sofrimento (nem sei se no caso da série podemos chamar de depressão, mas esta doença também nem sempre é nítida) nem sempre são tão evidentes. Quem está enfrentando momentos difíceis precisa saber que alguém verdadeiramente se importa com ela para se sentir à vontade para se abrir. É aí que uma família que sempre mantém o diálogo tem mais chance de detectar um problema do que uma família que dialoga apenas esporadicamente.

Assistir a história de Hannah Baker devasta os expectadores não apenas por nos apaixonarmos por ela a cada episódio e ela estar morta e não haver final feliz. Mas também porque as pessoas que as fazem sofrer serem apenas comuns e não terem papeis de vilões. Sendo assim, não há sequer a mais remota possibilidade de nos enganarmos: qualquer um de nós pode agir como o mais completo imbecil nesta vida. E pelos motivos mais banais possíveis. Quem sabe até já fizemos isso sem nos darmos conta em algum momento.

Esta possibilidade é tão real que, logo após a estreia da série, em 31 de março, internautas começaram a campanha #NaoSejaUmPorque no Twitter publicando frases contra o bullying.

No Brasil, os casos de bullying em escolas aumentaram de 5% para 7%, segundo pesquisa do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento apontou ainda que 20,8% dos estudantes já praticaram algum tipo de bullying contra os colegas e que a prática é proporcionalmente maior entre os meninos do que entre as meninas.

Nos Estados Unidos, a prática do bullying é tão comum que histórias com finais trágicos como as de Hannah Baker acontecem a todo instante. No inquietante documentário “Bullying”, o diretor norte-americano Lee Hirsch, mostra o caso de cinco jovens os quais acompanhou ao longo de um ano.

Dois deles, cometeram suicídio: Tyler Long, um adolescente de 17 anos bem-sucedido nos estudos e no esporte e o pequeno Ty Smalley de 11 anos. Eles são apenas dois dos jovens que tiraram suas vidas por conta do bullying.

Até mesmo os frequentes ataques que ocorrem em escolas estão diretamente relacionados ao bullying. De acordo com um estudo realizado pelo serviço secreto americano, cerca de 87% dos atiradores de escolas sofriam bullying e foram movidos pelo desejo de vingança.

Fortalecendo ainda mais a série, a Netflix lançou nesta semana vídeos promocionais com depoimentos de nomes como os influenciadores Hugo Gloss, Thaynara OG e a atriz Vaneza Oliveira (da série 3%) narrando episódios de bullying que sofreram na infância e adolescência. O que eles descrevem, não são experiências menos tristes e humilhantes do que as sofridas pela personagem fictícia.

De uma forma ou outra, ‘13 Reasons Why’ vem cumprindo um papel importante que é o de gerar reflexões e debates sobre assuntos sérios como abusos físicos, bullying, depressão suicídio, estupro, excesso de bebidas alcoólicas e sobretudo, diálogo e prevenção. No Brasil, segundo o CVV (Centro de Valorização da Vida), associação que fornece apoio emocional e prevenção ao suicídio, desde a estreia da série, os pedidos de ajuda ou de conversa enviados por e-mail aumentaram em mais de 100%, com 25 mensagens mencionando a série.

Isso é tão sério que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo e constitui-se, atualmente, em um problema de saúde pública mundial.

Segundo dados da ONU, mais de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, sendo a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.

Bem, quem ainda está com receio de assistir por imaginar se tratar de um dramalhão adolescente, recomendo rever seus conceitos o mais rápido possível, pois esta talvez seja uma das melhores séries dos últimos tempos. Não tanto por grandes atuações (embora até existam), mas pela incrível capacidade de seu roteiro alcançar e comover públicos tão distintos e gerar reflexões tão relevantes.

 

 

Tags: Série, 13reasonswhy

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