A Música no Modernismo

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Modernismo 1910 até os dias de hoje

Enquanto os românticos batalharam para alargar a noção de forma, os compositores do início do século XX lutaram contra outra barreira: a tonalidade. O sistema tonal, consolidado no Barroco, foi a base de toda a música criada nos duzentos anos anteriores, mas já vinha declinando no final do século XIX, especialmente com o cromatismo wagneriano e com as inovações impressionistas. Tudo parecia conduzir ao fim da música tonal.


Porém, o primeiro grande compositor moderno, o russo Igor Stravinsky, não negou a tonalidade. Ao contrário, a afirmou duplamente, testando a bitonalidade (as linhas melódicas em uma tonalidade e o acompanhamento em outra) em seu balé Petruchka, e sendo muito bem sucedido. Então deu um passo adiante. A tantalizante A Sagração da Primavera foi uma das primeiras obras politonais e polirrítmicas (nem todos os instrumentos estão em um mesmo ritmo nem em uma mesma tonalidade) da história. Sua estréia foi um escândalo. Mas o que realmente fazia da música de Stravinsky tão difícil era sua orquestração chocante (fanfarras ásperas, cordas raspadas, percussão pesadíssima) e seus ritmos extremamente complexos, impossíveis de serem dançados - e lembre-se de que A Sagração da Primavera foi composta como um balé!

O húngaro Béla Bartók uniu a música "primitiva" de Stravinsky a um estudo profundo do folclore de seu país e a um reaproveitamento genial dos gêneros clássicos. Merecedor do título de "quarto B", Bartók compôs balés, ópera, sonatas, quartetos e concertos, inclusive um concerto para orquestra, em que todos são solistas. O compatriota Zoltan Kodály, à sua maneira, acompanhou esses passos.

Na União Soviética, Sergei Prokofiev compunha obras mais melodiosas e mais fáceis do que as dos contemporâneos, mas que mesmo assim eram consideradas "avançadas" e proibidas pela ditadura stalinista. Dmitri Shostakovich e Aram Khachaturian também sofreram com regime comunista, principalmente o primeiro. Shostakovich era um admirador da música de Bach, cujo Cravo bem temperado foi por ele homenageado em obras como os 24 Prelúdios e Fugas e no projeto de compor um quarteto de cordas em cada tonalidade, maior e menor (que infelizmente não foi completado).

Na França, os compositores como Darius Milhaud, Francis Poulenc e Olivier Messiaen expandiam - de maneira muito pessoal - os horizontes do Impressionismo de Debussy, juntando a ele influências de Stravinsky, do neo-classicismo, e da música atonal. Nos Estados Unidos, Aaron Copland e Samuel Barber representavam a música "branca" americana enquanto George Gershwin, originalmente compositor popular, fazia jazz sinfônico, caminho pelo qual Leonard Bernstein também trilharia mais tarde. No Brasil, Heitor Villa-Lobos aliava as idéias vanguardistas européias a um sentimentalismo todo brasileiro, em obras como o Rudepoema e os Choros.

Entretanto, nenhum dos compositores citados abandonaram definitivamente a música tonal. Se o faziam, era de forma esporádica ou em artifícios como o politonalismo. O primeiro compositor a se dedicar exclusivamente à dissolução da tonalidade foi o austríaco Arnold Schoenberg. No início de carreira, Schoenberg foi um dos expoentes do chamado Expressionismo Musical, escrevendo obras como o sexteto de cordas Noite Transfigurada, verdadeiro poema sinfônico wagneriano dentro de uma brahmsiana formação camerística. Aos poucos, ele foi ampliando o cromatismo herdado de Wagner e introduziu a atonalidade, baseada no princípio de que todos os 12 semitons da escala cromática teriam o mesmo valor. Para Schoenberg, era o fim da música tonal e o começo da era atonal.

Dodecafonismo 1923 - 1960

Não demorou muito para que o próprio Schoenberg notasse que a atonalidade era tão anárquica que não parecia ser um sistema razoável. E tratou de construir um método de organizar os tais 12 tons "iguais". Em 1923, ele apresentou ao mundo o "sistema dos doze tons", ou, como ficou mais conhecido, o dodecafonismo serial.

As composições seriais são produzidas a partir de séries preestabelecidas de doze sons diferentes e independentes entre si. Nenhum dos doze sons pode ser ouvido novamente antes que os outro onze tenham sido executados. Afinal, Schoenberg queria que todos os tons tivessem direitos iguais, então todos deveriam ser igualmente escutados.

Apesar de ser algo matemático e a princípio pouco musical, o dodecafonismo teve carreira longa e atraiu inúmeros compositores, especialmente os da chamada Escola de Viena, Anton Webern e Alban Berg. Berg compôs a primeira ópera serial, Wozzeck, e deixou inacabada outra, Lulu, ambas as primeiras representantes realmente modernas do gênero.

Outros compositores seguiram os ideais dodecafônicos, como Luigi Nono, Luciano Berio, Ernst Krenek, Milton Babbitt e Pierre Boulez, que, como regente, é hoje o grande defensor dos serialistas. Boulez levou ao extremo a matematização da proposta de Schoenberg e fez com que tudo, os ritmos, as melodias, os acompanhamentos, tudo em uma composição musical fosse serializado. Quem sabe, para Boulez, compor não seja mesmo uma tarefa própria para computadores?

Neoclassicismo 1920 - 1950

Sergei Diaghilev, empresário dos Balés Russos, um dos grupos de balé e teatro mais importantes da primeira metade do século, tinha um faro fenomenal para detectar o que o público queria ouvir. Entusiasmado pelo sucesso que fizeram obras como As mulheres de bom humor, composta pelo italiano Vicenzo Tommasini sobre música de Scarlatti e Astúcias femininas, do também italiano Ottorino Respighi, sobre temas de Cimarosa, Diaghilev encomendou a Stravinsky o balé Pulcinella, que seria composto tendo como base material de Pergolesi.

Pulcinella estreou em 1920, inaugurando oficialmente o estilo que seria denominado de neoclássico. Na verdade, o Neoclassicismo não se resume a um simples arranjo ou reaproveitamento de obras do Classicismo e do Barroco, mas uma retomada, certamente irônica, de formas e conceitos adotados pelos compositores pré-românticos. Stravinsky, que rejeitava as idéias dodecafônicas, a princípio deve ter considerado o Neoclassicismo a maneira ideal de expressar seu descontentamento com o caminho que a música ia tomando, e aceitou com bom grado a proposta de Diaghilev.

Com o tempo e com a evolução do estilo, Stravinsky percebeu que havia muitos pontos de contato entre a música antiga e a música moderna. E adotou definitivamente o modo de compor neoclássico: harmonia predominantemente tonal, ritmos planos e melodias mais amplas, resultando em peças menos difíceis de serem ouvidas e mais relaxadas.

A paródia é outra importante característica do Neoclassicismo; Stravinsky, por exemplo, usa, de forma caricata, temas de óperas românticas de Bellini, Rossini ou Verdi. Mas a mania passadista também tem seu lado sério, especialmente quando retoma autores mais antigos. Nesse caso, o melhor exemplar é a ópera A carreira do libertino, uma homenagem às óperas de Mozart que tanto Stravinsky admirava.

O Neoclassicismo foi adotado, de forma bastante pessoal, por outros compositores que consideravam perigosos os pressupostos seriais, como Paul Hindemith, Carl Orff e até Villa-Lobos (Bachianas brasileiras). Se Stravinsky gostava de Mozart, Hindemith gostava de Bach. E, tal como Shostakovich, compôs várias homenagens ao Cravo bem temperado, inclusive um Ragtime bem temperado, uma das suas obras bem-humoradas, lista que inclui a Abertura Navio Fantasma executada por uma orquestra de segundo nível num domingo às 7 da manhã, que brinca com Wagner, e várias peças usando séries de 11 ou 13 tons, que ridicularizam o dodecafonismo.

Durante 30 anos os chamados neoclássicos se degladiaram com os serialistas. Até que, em 1954, Stravinsky compõe In memorian Dylan Thomas, sua primeira obra dodecafônica.

Experimentalismo 1950 - 1970

Ainda mais estranhas e "inescutáveis" que as obras dodecafônicas são as obras da vanguarda que sucedeu Schoenberg e discípulos. O rótulo genérico de Experimentalismo resume bem a música do período: mais produtos de experiências de laboratório do que da inspiração artística dos compositores.

Uma das primeiras técnicas experimentais foi a música concreta, proposta pelo francês Pierre Schaeffer. Ela consiste em gravar ruídos da natureza ou da cidade e transformá-los por processos eletroacústicos.

Já a música eletrônica não sai do laboratório nem para coletar material. Nela, todos os sons são gerados em equipamento eletrônico e depois retrabalhados. Bruno Maderna e principalmente Karlheinz Stockhausen são os seus principais nomes. Obviamente, desse tipo de "música" só se pode ouvir a gravação.

John Cage foi mais longe ainda. Ele propôs a música aleatória, baseada em sons gravados arbitrariamente no rádio ou na rua, e depois selecionados ao acaso. Outra técnica era escrever partituras jogando dados ou consultando o I-Ching. Mas a maior contribuição de Cage foi sua discussão em torno do silêncio. Compondo músicas absolutamente silenciosas.

Minimalismo 1960 em diante

Na década de 50, os serialistas controlavam toda a música de vanguarda que era produzida. Jovens compositores, estudantes das faculdades americanas ou européias, eram praticamente todos obrigados a seguir a linha de Boulez e Stockhausen pelos professores, sob pena de um pesado ostracismo. Então produziam obras extremamente difíceis e totalmente distantes do que o público queria ouvir.

Em reação à essa "máfia serialista", dois estudantes da Julliard School de Nova York, Philip Glass e Steve Reich, resolveram se aliar às idéias do compositor Terry Riley e serem os embaixadores de um novo movimento: o minimalismo.

O minimalismo tem dois objetivos principais: reafirmar a tonalidade e diminuir o material para composição (daí o nome do estilo). Ele se baseia sobre a repetição constante e hipnótica de pequeninas células rítmicas e melódicas, quase sem modulação. O resultado são obras relativamente longas que apresentam dois ou três temas, todos pequenos, que são repetidos indefinidamente. As maiores influências da música minimalista não são ocidentais: os ritmos da música percussiva africana e as complexas texturas do gamelão balinês.

Como música tonal mais fácil de ser digerida, o minimalismo fez grande sucesso tanto entre o público, que enfim tinha à disposição algo "escutável", quanto entre os artistas, especialmente os mais novos, que viam nele uma saída do dodecafonismo, que já estava ficando empoeirado e cheio de teias de aranha.

O minimalismo costumeiramente sai do "mundo erudito" e envereda em algo mais popular. É um caminho de mão dupla. A influência do rock'n'roll dos anos 70 é marcante em compositores como Philip Glass ou Michael Nyman. Em contrapartida, o minimalismo forneceu as idéias musicais básicas para o movimento New Age, que tenta unir a música pop ocidental a um misticismo esotérico tipicamente asiático. Os adeptos dessa linha consideram a repetição minimalista ideal para meditação, por exemplo.

Contemporâneos Atualmente

O minimalismo, mesmo com todos os seus defeitos, representou a esperada reconciliação entre os compositores e os ouvintes - o que inclui o significativo aumento na venda de discos de música contemporânea. A partir dele, começou a ser escrita música mais suave e agradável para o público médio.

Uma das tendências atuais é a retomada de alguns procedimentos da música antiga, principalmente o cantochão medieval (portanto, diferente do Neoclassicismo), feita por compositores como Arvo Pärt, John Taverner e Henryk Górecki (cuja Terceira sinfonia se tornou imensamente popular). Influenciaram o surgimento do chamado "minimalismo sacro" o repentino sucesso de gravações de canto gregoriano, o interesse renovado pela música vocal e pela música antiga de um modo geral, comprovado pela preferência atual por interpretações historicamente "autênticas" com instrumentos de época.

Outra tendência - apontada também pelo minimalismo - é a aproximação entre a música artística e popular, representadas por obras como a Sinfonia Low e a Sinfonia Heroes, de Philip Glass, baseadas em álbuns homônimos de David Bowie e Brian Eno. Um dado tão significativo quanto curioso é a entrada de músicos pop no circuito clássico, como o ex-beatle Paul McCartney, que já escreveu um oratório (Liverpool Oratorio) e um poema sinfônico (Standing stone), ambas obras de qualidade musical abaixo da crítica.

A música erudita passa por um difícil período de entressafra. Não seria a busca pelo esoterismo sinal evidente de decadência? Aparentemente, esse aspecto de crise parece conduzir a uma revitalização dos princípios românticos, o que seria natural após um século tão clássico quanto o XX - mais uma vez a dialética nietzschiana do dionisíaco x apolíneo se faz presente. Essa é uma tendência positiva? Só o tempo dirá.

 

 

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