A Literatura no Pós-Modernismo
A arte pós-moderna parece viver de sua própria história, orientando-se pela diversidade de gêneros e linguagens desenvolvidas ao longo das estéticas criadas pelo homem através de sua existência. Uma arte cuja função não é se limitar a produzir um único e absoluto estilo em um momento no qual a dominante cultural é o pluralismo. A instituição dessa pluralidade vem sendo apresentada em diversas áreas da cultura contemporânea: autores que levam a música pop à literatura, como Nick Hornby em Alta Fidelidade; músicas que são criadas a partir de textos literários, filmes que apresentam um diálogo com a representação teatral, como Tudo Sobre Minha Mãe, de Pedro Almodóvar, que traz Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, para as telas de cinema.
De que forma um único estilo venha a ter poder sobre os demais e seja influente no processo comunicativo quando é a pluralidade o grande orientador da arte contemporânea? Teremos criado estéticas demais e agora não haveria mais o que se inventar e por isso temos que recorrer ao passado e produzir uma miscelânea estilística para termos a sensação de que somos, naturalmente, criativos?
Depois das vanguardas do início do século e da escola modernista, as expressões artísticas passaram a ser criticadas pela excessiva utilização e citação do passado como processo criativo. Fato que a literatura pós-moderna vem certificando através da utilização de colagens, citações e alusões a outros autores e momentos literários.
Entretanto, uma das preocupações fundamentais na obra do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin foi a análise da estrutura textual como um elemento construído e elaborado através de outras linguagens, outros textos e discursos, seja qual for sua época, cultura ou momento histórico. Com esse postulado Bakhtin inaugurava um novo ponto de vista acerca da linguagem como uma expressão essencialmente condicionada pela presença do "outro".
Essa relação de diálogo entre inúmeros textos, que ele veio denominar de dialogismo, seria uma das características básicas de qualquer discurso. Uma das categorias que fazem parte desse conceito de dialogismo desenvolvido por Bakhtin seria o princípio da intertextualidade. Esta seria, portanto, a incorporação de um texto em outro, seja reproduzindo o sentido incorporado ou transformando-o.
Bakhtin termina apontando para a necessidade de compreender a linguagem não como um meio neutro, mas sim como uma forma de comunicação condicionada pelo contexto histórico que perpassa o sujeito de um determinado discurso.
A pós-estruturalista Julia Kristeva, no seu livro Introdução à Semanálise, observa que a palavra literária não é um ponto com um sentido fixo, mas um cruzamento de superfícies textuais: a do escritor, do destinatário(ou da personagem), do contexto cultural. O autor pode, portanto, apropriar-se da palavra do "outro", para inserir um sentido novo, tendo esse "outro" a função de orientar e atravessar o discurso do "eu".
A relação desse "eu" (o contexto cultural no qual está inserido, sua identidade e história pessoal) com "outro”(da simultaneidade estilística e diversidade de linguagens estéticas) produziu a essência de alguns movimentos artísticos modernistas.
O escritor norte-americano T.S Eliot, em The Waste Land, incorporou textos científicos, bíblicos e de autores como Dante e Baudelaire, produzindo, dessa forma, uma das principais referências literárias dentro desse conceito de uma linguagem intertextual.
No Brasil, Manuel Bandeira, em “Antologia”, fragmentou pedaços dos seus próprios textos passados e transformou-os num novo poema: “A vida/ não vale a pena e a dor de ser vivida./Os corpos se entendem mas as almas não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino./ Vou-me embora pra Pasárgada! aqui não sou feliz.."
A estética da intertextualidade marcou ainda a poesia de Wally Salomão, Paulo Leminski e até mesmo Machado de Assis. Este, na introdução de Memórias Póstumas de Brás Cubas, cita Stendhal e Lawrence Sterne, referindo-se a influência dos dois autores na literatura universal; e em Dom Casmurro alude a um texto de Montaigne no qual o autor francês diz: não são meus gestos que eu escrevo, sou eu, é minha essência. Talvez seja essência a qual também chama a atenção Bakhtin: a história pessoal do autor, suas referências literárias.
O Crítico de Literatura Harold Bloom publicou uma obra intitulada A Angústia da Influência cuja temática gira em torno da influência de determinados escritores na literatura ocidental. Ironicamente, nos anos 50 a escritora neo-zelandesa Katherine Mansfield(falecida em 1923) foi acusada de plagiar um conto de Tchecov.
Para os exegetas do autor russo, as semelhanças narrativas e estruturais entre os dois contos são a evidência do plágio. Depois de muita celeuma chegou-se a conclusão de que o conto A Criança que Estava Cansada de Mansfield teria apenas um diálogo discursivo com a obra de Tchecov, que se fazia presente em sua obra devido à influência que o autor havia exercido em sua carreira literária.
A intertextualidade teria seu lugar através da abertura histórica e textual facilitada pelo século XX mas também foi trabalhada em outras expressões artísticas dos séculos passados. Nicolai Gogol, Shakespeare e tantos outros cânones literários se referiam a outros textos e escritores em suas obras.
Mas a intertextualidade atualmente não é apenas um elemento, um recurso estilístico; ela passou a ser verdadeira dominante estética na literatura e nas artes de uma forma geral. Essa incorporação de "diversos passados" vem sendo extremamente criticada pela maioria dos teóricos marxistas da atualidade que vêem nessas colagens apenas ausência de historicidade. Ou seja, o passado seria resgatado não pelo seu valor histórico mas sim pela incapacidade de representação da própria existência corrente.
Por outro lado as colagens intertextuais na contemporaneidade funcionam como um processo poético que vem criar um espaço textual múltiplo no qual a obra de arte passa a ser entendida, essencialmente, através dessa abertura histórica. que vem a ser o resultado do cruzamento dos vários códigos, estilos e linguagens existentes na cultura contemporânea.
Como Foucault observa: As fronteiras de um livro nunca são bem definidas, por trás do título, das primeiras linhas e do último ponto final, por trás de sua configuração interna e de sua forma autônoma ele fica preso num sistema de referências a outros livros, textos e frases: é um nó dentro de uma rede.